As intersecções entre educação e democracia são conhecidas, pelo menos desde Dewey, não só porque a educação é a antecipação da vida (em democracia), mas também porque a educação é - como o próprio Dewey (1916) sublinhou - a própria vida. Esta apresentação utiliza a minha própria experiência de ‘crescer durante uma revolução’ como ponto de partida para refletir sobre a relação entre escola, política e democracia. Ilustrarei esta reflexão com exemplos da investigação que temos conduzido com crianças, jovens e seus/suas professore/as sobre o lugar da política e da educação política nas escolas.
Enquanto a revolução de 25 de abril de 1974 resultou num surto de vivência democrática, dentro e fora das escolas, as políticas educativas mantiveram uma considerável ambivalência sobre o lugar da educação política. Esta ambivalência, visível até hoje, está profundamente ancorada numa visão de crianças e jovens como ‘cidadãos-em-construção’, para quem a política (ou a vida, já agora) é demasiado complexa para ser compreendida – uma visão que captura a sua existência como seres políticos e nega a sua presença no ‘nosso mundo (em) comum’.
Ora, décadas de investigação apoiam a ideia de que os desequilíbrios de poder e as desigualdades marcam a existência quotidiana de crianças e jovens na escola. A política está presente na vida escolar, quer seja reconhecida ou negada – a educação escolar é uma experiência política inevitável. As escolas são locais onde aprendemos sobre justiça, injustiça, submissão, desafio, confronto, diálogo, tomar a palavra, olhar para o outro lado, ser suave e ser duro/a. Esta centralidade pode ajudar a explicar por que razão a escola ainda se destaca nas vozes do/as jovens como o seu local de eleição para a educação política, um local de confiança num mundo cada vez mais polarizado e contestado.
Tanto quanto me parece, os riscos contemporâneos da democracia exigem um regresso à teoria e à investigação educacionais. A teoria e a investigação educacionais podem sustentar uma educação que favoreça, para todas as crianças e jovens, a complexidade de processos cognitivos, o reconhecimento e a aceitação de emoções e a capacidade de interagir e dialogar com outras pessoas que são inevitavelmente diferentes. Como acredito (firmemente) que ainda há uma revolução a fazer e que a esperança é uma emoção política poderosa, irei refletir sobre os ‘e se’ deste regresso.
BIO
Isabel Menezes é Professora Catedrática em Ciências da Educação na Universidade do Porto, integrando a Cátedra OEI de Educação para a Cidadania/Global. É doutorada em Psicologia e tem agregação em Ciências da Educação. A sua investigação incide sobre a participação cívica e política de crianças, jovens e adultos, com particular interesse em grupos em risco de exclusão. O principal objetivo é explorar se e como as experiências de educação formal e não formal (incluindo práticas artísticas comunitárias) podem gerar formas mais complexas de relacionamento com a política. Coordenou vários projetos de investigação inter/nacionais financiados. É sócia fundadora da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação e presidiu à sua direção (2017-24). É atualmente Diretora do CIIE - Centro de Investigação e Intervenção em Educação. As suas publicações podem ser consultadas em https://www.researchgate.net/profile/Isabel_Menezes ou https://up-pt.academia.edu/IsabelMenezes